24.1.07

Ali Kamel no país das maravilhas

O diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, vive no mundo da fantasia mesmo.

Em um artigo (ou seria uma fábula?) no jornal o Globo de ontem chamado "O jornalismo" Kamel descreve o seu mundo dos sonhos.

O artigo começa defendendo que o posicionamento da imprensa, de esquerda ou de direita no Brasil (imprensa de esquerda?) se restringe aos editoriais, "jamais contaminando o noticiário".

Nos ensina o porta voz da inocência do jornalismo brasileiro:

"Opinião própria somente nos editoriais e sem repercussão nos noticiários"

Bom, o que ele tem a dizer sobre isso, só para colocar um exemplo:

Esta é uma página da seção "O País" do jornal O Globo.

O leitor desavisado acha que o deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da câmara*, do PT, cercado de microfones, disse que também iria soltar o traficante de drogas Beira-Mar. Certo ?

Será que existiu alguma intenção de dizer que MST, Petista e traficante é tudo a mesma coisa ? Isso é uma posição ideológica no noticiário ?

Devo estar viajando ...

Quem lê a matéria vê que a declaração, em tom de deboche, é de um líder da UDR - União Democrática Ruralista, estes sim devem pensar que MST, Petista e traficante é tudo a mesma coisa.


Não quero entrar no mérito de valores nem entrar em uma longa discussão sobre MST, PT, UDR e companhia.

Mas que a posição ideológica do jornal ficou clara no noticiário ficou. Se o entrevistado da UDR fosse editor não teria feito melhor.

Mais a frente o jornalista discursa com o seu ufanismo corporativo:

"Diante de uma miríade de acontecimentos, os jornalistas são treinados para discernir que fatos tem relevância e narrá-los e analisá-los de maneira lógica e isenta."

Outro exemplo por favor...



O presidente Lula iniciava uma viagem histórica pelo Oriente Médio, que não acontecia desde Dom Pedro Segundo.

O jornalistas do Globo, muito bem treinados para "discernir que fatos tem relevância" foram no cerne da questão: a diretora da Funarte tinha ficado irritada com a escolha da escola de samba Gaviões da Fiel ao invés da Portela.

Isso é que é relevância ! Nossa ! Como eles são bem treinados (amestrados ?)

E de maneira lógica e isenta tascaram a manchete "samba atravessa no Oriente Médio".

Para completar a comentarista Miriam Leitão, comenta "Roteiro é estranho, mas viagem pode trazer bons negócios"

Para finalizar com chave de ouro o meu parágrafo preferido.

Escreve Ali Kamel, o todo poderoso do jornalismo da Globo:

"No Brasil, o leitor pode reparar que "Folha de S. Paulo", "Estado de S. Paulo"e O GLOBO, jornais com poucas afinidades e concorrentes ferozes, destacam sempre os mesmo assuntos. Não é falta de criatividade: é que os jornalistas que neles trabalham, profissionais treinados, sabem reconhecer num enxame de fatos o que é relevante e o que não é."

Um minuto por favor.

HAHAHAHAHAHAHAHAHA !

Ok, desculpem.

Vamos lá:

Concorrentes ferozes ? Alguém já viu o anúncio do Zap - Uma empresa dos jornais Estadão e o Globo (www.zap.com.br) ? Ou então leu o jornal Valor Economico, uma parceria do Globo com o grupo Folha ?

Jornais com poucas afinidades: todos são empresas familiares, de famílias conservadoras, participaram de alguma forma do golpe de 64, liberais "à brasileira" (odeio o estado, a não ser quando preciso de um empréstimozinho, ou fazer negócios diretamente com ele).

Arrisco a dizer que usam a mesma marca de gravatas, comem nos mesmos restaurantes e passam féria nos mesmos lugares.

Ali Kamel tem razão: Não é falta de criatividade !!!

Tem mais.

Ali Kamel promete: "Como obter o máximo de objetividade e isenção em jornalismo é o que pretendo discutir em meu próximo artigo"


Mal posso esperar !!!!!

* Esta matéria foi antes de estourar o "mensalão", portanto João Paulo Cunha ainda era um cidadão acima de qualquer suspeitas. Mais uma prova de que a opção de "criminalização" era 100% ideológica.

5 Comments:

At 9:26 AM, Anonymous Anônimo said...

Hehehe

Excelente!

 
At 6:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Ótimo post, Fernando. Foste no cerne da parada, sem deixar a ironia de lado. Parabéns.

Abraços Sivuquescos,

Rodrigo Lucheta

 
At 10:47 AM, Anonymous Anônimo said...

Muito bom o seu blog Fernando Terra.

O post do Ali Kamel está muito bom e o da Veja, abaixo, está sensacional.

Parabéns!

Se possível, visite o meu blog - www.pontojor.blogspot.com

É um blog coletivo de amigos jornalistas.

 
At 1:56 PM, Anonymous Anônimo said...

Conheci recentemente o seu blog e desde então tenho visto constantemente seus artigos. São de muito bom senso, uma crítica coerente e com pitada de humor!
Parabéns!

Harika

 
At 4:01 PM, Anonymous Anônimo said...

Dois excelentes textos ai abaixo – o primeiro publicado na coluna do "Ombudsman", na Folha de São Paulo, e o segundo na página na Internet, do Observatório da Imprensa – que demonstram como a Folha de S. Paulo faz a blindagem do governador paulista José Serra. São imperdíveis e os leitores da Folha precisam conhecê-los:


1 - Coluna do "Ombudsman" - São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007:

Folha, Serra, tendência e método
(Reproduzo nota que escrevi na crítica da terça-feira.)
Na semana passada, lamentei que a Folha não tivesse procurado o governador José Serra para ele se pronunciar sobre a reintegração de posse na favela Real Parque. O terreno pertence a uma empresa ligada ao Estado; a Polícia Militar, que executou a ordem judicial, é subordinada ao governador e a autoridades que ele nomeia diretamente ou não.
Ontem, lamentei que o jornal não tivesse procurado Serra para ele se pronunciar sobre a morte de um lutador (...) em dependências do Estado.
Hoje, lamento que o jornal não tenha procurado Serra para ele se pronunciar sobre a morte por tortura -de acordo com laudo do IML- de um adolescente (...) preso por policiais militares.
Três exemplos não asseguram que se esteja diante de um método. Indicam, no entanto, uma tendência.
O jornal, cujo dever é fiscalizar o poder, todos os poderes, deveria refletir sobre isso.

2 – "Observatório da Imprensa" - em 25/12/2007:


SERRA NA FOLHA:
Como fazer dos limões uma laranjada

Por Celene Araújo

Criado para realizar pesquisas de opinião pública e eleitorais com o máximo rigor técnico e agilidade, o Datafolha firmou sólida reputação a partir de 1989, com a volta das eleições diretas, para as quais a própria Folha de S.Paulo teve um papel crucial e digno de constar como capítulo da História do Brasil.

Desviando-se dessa trajetória memorável, os belos limões do Datafolha ajudaram o jornal a fazer uma laranjada no domingo (16/12) para parafrasear uma expressão em voga atualmente.

Como chamada na primeira página, saiu uma relevante e oportuna pesquisa do instituto com um ranking de avaliação de governadores. O resultado mostrou a seguinte classificação e suas respectivas notas e porcentagem de aprovação:

1º - Aécio Neves (PSDB) - Minas Gerais - 7,7

2º - Cid Gomes (PSB) - Ceará - 6,6

3º - José Serra (PSDB) - São Paulo - 6,5

4º - Eduardo Campos (PSB) - Pernambuco - 6,4

5º - Roberto Requião (PMDB) - Paraná - 6,3

6º - Luiz Henrique da Silveira (PMDB) - Santa Catarina - 6,1

7º - Jacques Wagner (PT) - Bahia - 6,0

8º - Sérgio Cabral (PMDB) - Rio de Janeiro - 5,9

9º - José Roberto Arruda (DEM) - Distrito Federal - 5,3

10º - Yeda Crusius (PSDB) - Rio Grande do Sul - 4,2

O "foguete" Serra

Nas páginas internas, o assunto se desdobra ao longo de seis merecidas páginas, com matérias específicas dedicadas a vários dos governadores ranqueados. Veja se um leitor atento da edição de domingo consegue descobrir o que está destoando na série de títulos escolhidos pela Folha para suas matérias internas:

** "Aécio sofre poucas resistências para administrar Minas"

** "Tucana [Yeda Crusius] se tornou alvo no RS da classe média, do funcionalismo e do Judiciário"

** "Aprovação a Serra aumenta 10 pontos percentuais em 7 meses"

** "Avaliação positiva de Cabral cai 25%"

** "Governo do DF é rejeitado por 30% do eleitorado"

** "Só 2 dos 45 deputados do Ceará fazem oposição aberta a Cid Gomes"

** "Wagner ainda tem problemas essenciais"

Não precisa ser catedrático em semiótica para se constatar que todas as matérias são críticas aos respectivos governadores que lhes servem de tema, exceto aquela dedicada a José Serra, o governador de São Paulo. Senão, vejamos: Aécio e Cid não têm oposição em seus estados. Yeda Crusius enfrenta o ataque da classe média e dos servidores. Cabral cai, Arruda é rejeitado e Wagner "ainda tem problemas essenciais". Mas José Serra, qual foguete, "aumenta 10 pontos percentuais em 7 meses"...

E quem desaprova?

De acordo com o Datafolha, as três maiores notas foram as seguintes: Aécio (7,7), Cid Gomes (6,6) e Serra (6,5). Nas matérias específicas sobre os governadores, o jornal Folha de S.Paulo procura mostrar que Aécio e Cid Gomes só têm um elevado grau de aceitação porque não são fustigados pela oposição no plano regional. De 77 deputados estaduais em Minas, apenas dez fazem oposição a Aécio. De 45 deputados estaduais do Ceará, só dois enfrentam Cid Gomes, mesmo assim para fazer "críticas pontuais" na área de segurança pública. Cid Gomes passeia "com um governo quase sem oposição, formado por um leque de aliados que vai do PT ao PSDB" – e "até deputados de partidos excluídos da base aliada, como o DEM, poupam Cid de críticas mais incisivas".

Por que a Folha não concedeu a Aécio e Cid Gomes o direito de serem bem avaliados pela população por méritos de suas administrações públicas, como fez com José Serra?

Além do festivo título, encontro na matéria de Serra que ele enfrentou crises com o meio acadêmico e com o acidente nas obras do Metrô, ameaças de greve e manifestações. A Folha me informa que o governador concedeu reajustes para os funcionários na área de segurança, antecipou bônus na Educação e adiantou o décimo terceiro. Apesar dos escândalos de corrupção que enfrentou, não houve ataques do PCC nem rebeliões na Fundação Casa. Melhor: conseguiu redução de 21,76% nos homicídios, vendeu a folha de pagamento para a Nossa Caixa, parcelou a dívida, aumentou o limite de endividamento do Estado, garantiu recursos para investimentos como recuperação de vicinais, faculdades de tecnologia e o Rodoanel. Uau!

O texto esmiúça o levantamento, identificando os melhores desempenhos alcançados de acordo com os extratos sociais definidos pela pesquisa. E quem desaprova o governo Serra, por que o faz?

Neste quesito vale observar que no caso dos governadores mais bem avaliados que Serra não se tem informação sobre nenhum recorte da pesquisa (renda, escolaridade etc.)

Informar o público

Ao interpretar os números do Datafolha, o jornal destilou o preconceito segundo o qual mineiros e cearenses – ao contrário dos paulistas – não conhecem a realidade e, por isso, apóiam Aécio e Cid Gomes. Ou está dizendo que, se houvesse uma oposição vigorosa na Assembléia, o povo certamente deixaria de apoiá-los. Mas, em que pilar da ciência política está assentada a ligação de causa e efeito entre baixa oposição parlamentar e elevada popularidade de um governante? Ou o seu contrário, de elevada oposição e baixa popularidade do governante? Por acaso José Serra também tem boa nota (6,5) e pouco abaixo de Cid Gomes) pelo fato de se beneficiar de uma oposição complacente em São Paulo?

A edição, de seis páginas, é um primor de descumprimento do Manual de Redação no célebre capítulo sobre "ouvir o outro lado". No Ceará, a Folha ouviu o oposicionista Heitor Férrer (PDT) e usou uma declaração do secretário da Fazenda apenas para confirmar a crítica da oposição. Em Minas, todas as fontes ouvidas são de oposição – foram entrevistados a deputada do PT Elisa Costa e um sindicalista. No Rio Grande do Sul a mesma coisa: deu-se voz apenas ao deputado Raul Pont (PT) e ao presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos. Já em São Paulo, sabem quem foi entrevistado da oposição para falar da avaliação positiva de Serra? Ninguém... A matéria é olímpica e não traz entrevistas, fazendo um oba-oba para o governador paulista.

Um dos nomes mais em evidência para disputar o cargo de presidente da República, José Serra é um político de grande capacidade e méritos reconhecidos e respeitados até por seus adversários. Se a Folha escolher o nome dele como seu preferido para a disputa de 2010, essa pode ser uma boa opção eleitoral e um direito do jornal em fazê-lo. A cada eleição, dois expoentes das rotativas no planeta, o New York Times e o Monde, comunicam a seus leitores quais os candidatos da sua preferência, mas procuram evitar que essa escolha política contamine o noticiário. Caso a Folha adote um caminho semelhante, seria pelo menos de bom tom informar isso a seu vasto público. Com transparência, de um limão é possível sempre fazer uma boa limonada.



Os artigos demonstram a relação entre a Folha e o Serra!


Muito oportuno o texto "Folha, Serra, tendência e método", do jornalista Mário Magalhães – Ombudsman da Folha, publicado no dia 23/12, em sua coluna semanal daquele jornal. Ele aponta as reiteras "omissões" do jornal na cobertura de fatos negativos que recentemente aconteceram em São Paulo e a estratégia do jornal em poupar o governador José Serra de situações que poderiam provocar desgaste à imagem dele.

Discordo do Ombudsman somente no que diz respeito à dúvida dele sobre se há apenas uma "tendência" ou já um "método" do jornal em preservar o Serra. Na minha opinião estamos mesmo é diante de um método amplamente adotado pela Folha.

Com relação ao texto "Como fazer dos limões uma laranjada", da consultora em comunicação Cilene Araújo, publicado pelo Observatório da Imprensa, no dia 24/12, ele é bastante esclarecedor com relação às reportagens que o jornal tem publicado sobre o Serra recentemente, no tocante à divulgação das pesquisas realizadas pelo Datafolha.

Já tenho feito análises sobre as divulgações de pesquisas pela Folha de São Paulo, como trabalhos para faculdade, e quero dar a minha contribuição nesta discussão.
Afinal qual o método ou a rotina da Folha no tratamento de suas pesquisas?

Duas perguntas:

A Folha repercute o resultado com os vencedores?
A Folha compara o desempenho de alguém com os seus antecessores no cargo para dar uma visão relativa – além da absoluta -do resultado?

Depende! Se o vencedor é o Serra, a Folha repercute. Se não é, não há repercussão.

Se a comparação é favorável ao atual governador paulista, ela compara com gestões anteriores. Se não é ignora, não há comparação.

Vejam exemplos recentes:

Compara?

Em 26 de março de 2007, a Folha publicou pesquisa de avaliação dos governos estaduais. Na primeira página, a manchete foi "Governo Serra tem aprovação de 39%". Neste caso, a Folha comparou os 100 dias do Serra com os de Alckmin e os de Covas. O resultado era favorável ao Serra.

O critério de comparação foi tão importante que foi ele que justificou a manchete do jornal - favorável ao Serra, é claro. Isso já que Sergio Cabral com 48% e Aécio Neves com 71% tiveram resultados melhores do que ele.

Agora, na pesquisa publicada no dia 16 de dezembro de 2007, Serra ficou em 3º lugar, mas desta vez a Folha não comparou o resultado da avaliação do atual governador paulista com o desempenho de Alckmin após o primeiro ano de governo dele.

Por quê? Porque se comparasse ficaria claro que em pesquisa realizada na mesma época, o resultado de Alckmin foi muito melhor. Enquanto Serra teve agora 49% de aprovação, em período semelhante, Alckmin teve 65% (Pesquisa Datafolha de 04/01/2004).

E não vale argumentar que Alckmin estava há mais tempo no governo, já que, a pesquisa do dia 26 de março, também se referia aos 100 primeiros dias do "segundo" mandato de Alckmin. Se essa comparação era justa em março, agora também é!

Repercute?

Pesquisa do Datafolha para presidente, publicada no dia 05 de fevereiro de 2006, mostrou o Serra com o melhor resultado, tanto frente ao Alckmin quanto ao Lula. No dia seguinte (06/02/06), a Folha voltou ao assunto, lembrando o belo resultado do Serra. Repercutiu amplamente a pesquisa, e trouxe a seguinte manchete: "Eleitores do PSDB preferem Serra a Alckmin".

No dia 02 de dezembro de 2007, a Folha publicou pesquisa para presidente, com Serra na liderança, com o título o seguinte título: "Serra é o favorito para suceder Lula; Ciro aparece em 2º". Como se vê uma manchete bem favorável ao atual governador de São Pulo.

Novamente a Folha repercutiu a pesquisa, 48 horas após a publicação da primeira reportagem. O jornal, na edição do dia 04/12/07, aproveita mais uma vez para destacar a excelente posição do tucano nas pesquisas e traz a seguinte manchete: "Fico satisfeito, mas não fui eleito para ser candidato, afirma Serra".

No dia 16 de dezembro de 2007, Aécio Neves foi o governador mais bem avaliado do país. No dia 17 de dezembro de 2007, Beto Richa foi o prefeito de capital mais bem avaliado do país. Na reportagem sobre esta pesquisa, o prefeito de Curitiba mesmo apontado como líder do ranking recebeu apenas um registro, de cinco linhas.

A Folha não voltou ao assunto e não repercutiu o resultado com nenhum deles.

Não era o Serra!

 

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